sexta-feira, 19 de março de 2010

Surto Psicótico


Pessoas que "estão" Dona Sebastiana podem desenvolver estranhos surtos. Amanhã é aniversário da minha mãe. Ela faz 83 anos. Terei o privilégio de recebê-la e fiquei pensando com que cardápio eu celebraria essa data. Além da honra de ter minha mãe por aqui, vou receber a visita luxuosa de dois amigos: a Elis e o Rodrigo, que, aliás, virá à minha casa pela primeira vez. É muita responsabilidade. Especialmente, porque o Rodrigo é um homem de "prendas domésticas".

Quando trabalhei na Editora Abril tive um chefe chamado Sérgio Reis. Foi uma das experiências mais bacanas de chefia que já experimentei. Ele era um homem muito culto, mas extremamente simples. Melhor: incrivelmente bem humorado. Falávamos muito sobre comida, pois ele era chegado a uma boa mesa. Foi dele que ouvi a seguinte frase: "quando você receber uma visita, JAMAIS experimente uma receita nova. É seguro que você vá errar." Receitas, ele dizia, precisam ser aprimoradas. E hoje, ao construir meu cardápio de amanhã, eu resolvi desafiar as recomendações e o bom senso. Estou não apenas experimentando uma receita "nova", como decidi me aventurar num terreno no qual nunca fui referência: as sobremesas.

Eu não sou uma pessoa de pratos inesquecíveis, mas é provável que vez ou outra uma amiga vá ter a generosidade de dizer que faço uma boa feijoada, que minhas saladas são bem razoáveis, que é muito boa a minha receita de arroz com damascos. Recentemente, até aprendi a fazer uns tomates assados e recheados com berinjelas, com os quais tentei impressionar o Dani. Mas é seguro que não haverá ninguém suspirando por uma sobremesa minha. Aliás, nesse quesito, as pessoas podem se lembrar do Bolo da Zenaide. E não mais.

Pois bem...Decidi que estava na hora de, beirando os cinqüenta anos, aprender a fazer um manjar. O desafio é ainda maior, pois essa é uma sobremesa que minha mãe faz com os pés nas costas. Mas, meninos, eu fiz! Meu coração está aos pulos, pois até agora tudo deu certo. Inclusive a calda de ameixas. Fiquei tão empolgada que decidi deixar a minha marca. Nesse momento, a casa está embebida no aroma absurdamente maravilhoso de umas peras ao vinho. Não é completamente rico?

Amanhã, portanto, minhas experiências serão testadas. Se forem aprovadas espero, finalmente chegar aos píncaros da glória culinária e prometo deixar aqui as receitas.

Essa é a sensação mais próxima de felicidade que experimentei nas últimas semanas. Como diria a Dudu: "vem todos, que eu fiz foi prá nos".

"Estou Dona Sebastiana"


No Governo do general Figueiredo, o então Ministro da Educação Eduardo Portella disse que era professor, mas "estava" ministro. Usou essa licença poética, por assim dizer, para expressar sua transitoriedade no cargo. Pois, estou me apossando da mesma licença para dizer que "estou dona Sebastiana". Isso quer dizer que embora não seja minha vocação, nem destino, "estou" por uma período de tempo ainda indeterminado, experimentando "a dor e a delícia" dos afazeres domésticos.

Na última edição do Oscar, a atriz Meryl Streep foi mais uma vez indicada ao prêmio de melhor atriz por ter vivido uma americana, responsável por criar programas de TV no qual ensinava às mulheres de seu tempo, receitas triviais com sotaque francês. Meryl interpreta Julia Child. A história, na verdade, estabelece um paralelismo entre duas mulheres de gerações distintas, que usaram o amor à gastronomia para dar um novo rumo às suas vidas.

Bem, eu não acho que a gastronomia vá dar um novo sentido à minha vida, mesmo porque a comida que faço não está enquadrada nessa categoria, mas como no meio disso tudo há um Blog, achei que podia experimentar falar dessa nova faceta da minha vida, já que a "Equilibrista" está fechada para balanço.

Cuidar da casa é uma tarefa que envolve muita energia e um bocado de tédio. É uma lição permanente de retrabalho. Você lava a mesma panela cem vezes, você recolhe - dúzias de vezes - a roupa que os homens da casa insistem em não colocar no cesto do banheiro, você sempre vai se deparar com uma toalha molhada sobre a cama. No meio disso tudo, você perde a hora do seu programa favorito de TV acudindo o suflê, ou deixa o bolo solar, pois não quer perder seu programa favorito. No final do dia, bem, no final do dia se você estiver viva é certo que vai começar tudo outra vez.

E não pense que aquele bolo incrível de milharina que você comia na infância e descobriu que ainda sabe fazer, vá provocar um surto de generosidade nas pessoas da sua casa, e elas vão te dispensar do almoço de amanhã. Nem fique esperando que ao comer aquela receita de picadinho indiano, que você copiou do programa da Agélica, seu marido vá te convidar para um jantar romântico.

As frases mais triviais para quem "está" Dona Sebastiana são: "Nossa! Esse bife não passou do ponto?" ou... Você colocou muito sal no feijão ... ou "tem certeza de que tinha maçã nessa receita de frango"? E quer saber: não há poção mágica que elimine o cheiro de alho das suas mãos, não há corretivo que dê conta das suas olheiras e suas varizes vão gritar depois de horas a fio de pé, colocando roupa para secar.

Estar Dona Sebastiana é padecer. Sem paraíso.

Mas por falar em "Bolo de Milharina", anote ai.

3 ovos, 1 lata de milho verde, com aquela água que acompanha a conserva. Use essa latinha para dosar a milharina, o leite, que você pode substituir por leite de côco e a mesma medida de açúcar. 1/2 lata de óleo. Bata tudo no liquidificador, começando pelos ovos e ao final, adicione uma colher generosa de pó royal. Antes de fazer tudo isso, já deixe uma forma untada e o forno pré-aquecido. Depois, são mais ou menos 45, 50 minutos. Assim como as pessoas, cada forno tem seu tempo. Quando deseformar você vai ficar com a impressão de estar comendo pamonha assada. É bom. Eu costumo acompanhar com um generoso copo de coca-cola gelada. Há pessoas que preferem leite, café ou chá. Com cerveja eu não recomendo. Aliás, quer saber, dia desses vou tentar usar essa receita numa versão salgada. Pode funcionar.